Kunsthalle Lissabon

Sol Calero, Tente en el aire II (2018). Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Tente en el aire II (2018). Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Tente en el aire II (2018), detail. Photo: Bruno Lopes.

Sol Calero, Tente en el aire. Vista da exposição com Tente en el aire II (2018) e Tente en el aire I (2018). Kunsthalle Lissabon, Lisbon, 2018. Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Tente en el aire I (2018). Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Tente en el aire. Vista da exposição com Tente en el aire I (2018) e Torna atrás (2018). Kunsthalle Lissabon, Lisbon, 2018. Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Tente en el aire. Vista da exposição com Tente en el aire I (2018); Torna atrás (2018) e No te entiendo (2018). Kunsthalle Lissabon, Lisbon, 2018. Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Tente en el aire. Vista da exposição com Torna atrás (2018) e No te entiendo (2018). Kunsthalle Lissabon, Lisbon, 2018. Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Tente en el aire. Vista da exposição com No te entiendo (2018); Coyote (2018) e Criollo (2018). Kunsthalle Lissabon, Lisbon, 2018. Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Tente en el aire. Vista da exposição com No te entiendo (2018); Coyote (2018); Criollo (2018) e Salto atrás (2018). Kunsthalle Lissabon, Lisbon, 2018. Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Torna atrás (2018). Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, No te entiendo (2018). Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, No te entiendo (2018). Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Coyote (2018). Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Coyote (2018), pormenor. Kunsthalle Lissabon, Lisbon, 2018. Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Criollo (2018). Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Salto atrás (2018). Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Tente en el aire. Vista da exposição com Criollo (2018) e Salto atrás (2018). Kunsthalle Lissabon, Lisbon, 2018. Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Tente en el aire. Vista da exposição com Tente en el aire I (2018); Torna atrás (2018); No te entiendo (2018); Coyote (2018); Criollo (2018) e Salto atrás (2018). Kunsthalle Lissabon, Lisbon, 2018. Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero, Tente en el aire. Vista da exposição com Tente en el aire II (2018); Tente en el aire I (2018); Torna atrás (2018); No te entiendo (2018) e Coyote (2018). Kunsthalle Lissabon, Lisbon, 2018. Foto: Bruno Lopes.

Sol Calero: Tente en el aire

Nos últimos anos, Sol Calero tem vindo a desenvolver uma linguagem pictórica que funciona de maneira semelhante a souvenirs: uma representação idealizada de um lugar, que concentra em si múltiplas camadas de uma identidade auto-projetada. O souvenir não é um objeto retirado do seu contexto, mas antes um objeto criado para encapsular um contexto específico e disseminá-lo como uma interpretação abstrata. Nas suas instalações, e da mesma forma que as identidades são exportadas, Sol Calero recria o contexto da pintura como um souvenir: elas são simultaneamente autoperformativas e inventadas aos olhos do forasteiro. O resultado é tanto uma observação dos espaços onde a identidade é reificada, como uma demonstração da existência de visões utilitárias da alteridade a partir de posições de privilégio. O uso da identidade como mercadoria tem muitos rostos, manifestando-se constantemente, para entidades políticas atuais, como uma estratégia de autopromoção ou de autoexculpação, herdeira de representações do Um e do Outro que são o resultado dos empreendimentos classificatórios das primeiras mobilizações imperialistas. Tais esforços visavam expandir os seus sistemas como um meio de posse. A distribuição de acesso, mobilidade e privilégio na estrutura global contemporânea está intimamente ligada aos projetos coloniais e à sua descrição do mundo, na qual os sujeitos são objetificados e traduzidos. Os sistemas de expansão são políticos, produtivos e epistémicos, e são impostos pela força, inclusão, continuidade, exploração, apropriação e dependência.

Para esta ocasião, Sol Calero aborda a Escuela Cuzqueña, ou Escola de Pintura de Cusco, do Peru, como um precedente paradigmático de modelos exemplares que cultivam e ilustram uma visão do mundo. Na Kunsthalle Lissabon, Calero apresenta as suas pinturas em molduras peruanas originais, feitas à mão em madeira da região de Cusco, e adquiridas durante a sua última viagem ao país. Estes souvenirs literais emolduram uma nova direção pictórica do seu trabalho, que vem acrescentar-se aos seus já bem conhecidos padrões e motivos, explorando aquilo que é não-representado, não-icónico. É nessa amálgama de sombras que encontramos a natureza múltipla, ambígua e lamacenta da realidade. Tente en el aire (“segura-te no ar”) é uma referência direta retirada da taxonomia racial estabelecida no período colonial na América Latina, e faz alusão a um descendente de um Campulato e um Cambujo, amplamente ilustrado nas “Pinturas de Castas” da Escola de Pintura de Cusco. Essa denominação, referindo-se a alguém literalmente flutuando entre identidades, incapaz de reivindicar as suas raízes, aparece como uma imagem clara da natureza punitiva da própria definição.

Para este projeto, a nova paleta de cores é ela própria uma exploração do pigmento como exemplo de narrativas classificatórias que definem hierarquias, vozes e posições. Em Tente en el aire o sujeito revela-se na abstração da disciplina do retrato, a qual altera a noção de representação pessoal, marca definidora do género, para a narrativa das identidades coletivas e a natureza complexa da sua construção.

A Escuela Cuzqueña inclui o trabalho de pintura desenvolvido na cidade de Cusco durante o período político denominado Vice-reinado do Peru, entre os séculos XVI e XIX, pelas mãos de pintores indígenas ou mestiços, sob a orientação dos missionários cristãos. O Vice-reinado incluía a maior parte do continente sul-americano sob um regime legislativo e espiritual governado pelo representante do rei espanhol no Novo Mundo e concentrava a maioria das atividades políticas e religiosas em Cusco, onde o processo de evangelização se concentrava no ensino da pintura e da escrita como forma de aprendizagem das Escrituras. A arte europeia foi levada e usada como modelo, e elementos formais e simbólicos das culturas pré-hispânicas foram integrados na pintura como estratégias de reinterpretação, apropriação, erradicação e, por fim, conversão. As estratégias inclusivas do cristianismo passaram da tentativa de reescrita da história religiosa do Novo Mundo como uma narrativa retroativa da Verdade, mal interpretada pelos nativos mas passível de descoberta, a uma tentativa de manter formalmente os rituais indígenas, mas mudando seu significado, ou então atribuindo significado cristão a símbolos culturais preexistentes. O resultado foi um sincretismo religioso presente em toda a produção artística da época, evidenciando um processo de tradução do Outro de acordo com os novos termos e interesses: reis incas são reconhecidos como legítimas autoridades políticas e monárquicas das quais os espanhóis se proclamam herdeiros, como forma de assegurar a continuidade do poder; os eventos sociais e políticos da conquista são traduzidos à luz da mitologia cristã e a sua voz solidifica-se através de uma nova narrativa - a narrativa do vencedor heróico.

Mas a tradução como processo acontece de forma ainda mais evidente no ato de nomear. Rapidamente, depois dos primeiros conquistadores se estabelecerem, a mistura racial prolifera e a estratificação social constrói-se sobre a noção de pigmentocracia. Um género específico da Escola de Cusco, e um dos únicos seculares, as Pinturas de Castas apresentam uma hierarquia descendente de combinações raciais em aparentes cenas de costumes, que ilustram e promovem uma taxonomia racial de equivalência sócio-económica. A partir do topo, onde se encontram os espanhóis, mais puro-sangue e com a pele mais branca, os estratos degeneram-se: mestizo, castizo, mulato, morisco, indio, torna atrás, chino, lobo, albarazado, barcino, zambuigua, chamino, coyote ou tente en el aire são os elementos de uma cadeia de designações baseada em classificações de pigmentação. Aqui, o ato de nomear cria uma nova realidade baseada na diferença entre termos que não existiam antes, nos quais critérios biológicos são usados ​​para definir uma estrutura imaginária.
Texto por Sira Pizà

Sol Calero (n. 1982, Caracas) estudou na Universidad Complutense de Madrid e na Universidad de la Laguna em Tenerife. Vive e trabalha em Madrid. Uma seleção das suas exposições individuais recentes inclui Casa Isadora, Brücke Museum, Berlim (2018); Interiores, Dortmunder Kunstverein (2017) e ainda exposições em preparação para a Kunstverein Düsseldorf; Galerie Crèvecoeur, Paris e ACCA, Melbourne.
Foi nomeada para o Preis der Nationalgalerie, 2017 - Hamburger Bahnhof Museum, Berlim (2017) e para o Future Generation Art Prize: PinchukArtCentre, Kiev (2017)

A Kunsthalle Lissabon é generosamente apoiada pelo Ministério da Cultura/DGArtes, Coleção Maria e Armando Cabral e Teixeira de Freitas, Rodrigues e Associados.

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